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sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Poesia africana

MUKAI VI
P’ra não morrer nos teus lábios de prata
era preciso ser pássaro e serpente
p’ra não sentir os teus lábios de prata
era preciso ser mulher e gente
p’ra não sofrer nos teus lábios de prata
era preciso ser sonho
uma cabaça fechada
P’ra não morrer dos teus lábios de prata
era preciso não ser mulher, pássaro e gente
pintada de cicatrizes.
Ana Paula Tavares


QUE NEGRA É ESSA!


Que negra é essa!

Que negra é essa
Que da minha terra brotou
Trazendo consigo uma sina
O valor próprio do ser, Essa negra revelar
Essa negra é justa
Essa negra fulô...
Dela já lhe falaram
Nem que seja numa ditada
Ou dando exemplo de trabalho
E dedicação ao sonho
Essa negra idear
Essa negra é elite
Essa negra fulô...
Tenho pena de mim...
Vou seguindo meu destino
Neste mundo, de tudo quanto sente
Pois pouco te importa
Essa negra conquista
Essa negra é capaz
Essa negra fulô...
Mas essas negras mais raras
Tu és a mais rara?
Verei-te partir a alma a soluto
Um dia hei de anunciar ao mundo
Essa negra liberdade
Essa negra é flor
Essa negra fulô...


de Diogo Loncellot
Disponivel em: <http://www.pucrs.br/mj/poema-negro-57> . Acesso em:24 out. 2010.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

E agora, José?

JOSÉ

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?

sábado, 29 de outubro de 2011

Livros e flores



Teus olhos são meus livros.
Que livro há aí melhor,
Em que melhor se leia
A página do amor?

Flores me são teus lábios.
Onde há mais bela flor,
Em que melhor se beba
O bálsamo do amor?
Machado de Assis

Sonho lindo

domingo, 23 de outubro de 2011

Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Soneto do amigo

Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...

Vinícius de Moraes